“A inclusão acontece quando se aprende com as diferenças e não com as igualdades.”
Paulo Freire.
Imagine um mundo onde todas as vozes são ouvidas, onde as diferenças não só existem, mas são celebradas como forças que impulsionam a inovação e a criatividade. Parece utopia? Para muitas organizações, esse é o objetivo das políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI). Mas será que esse futuro está ameaçado?
Nos últimos meses, uma onda de notícias sobre o questionamento de políticas de DEI em grandes corporações — como Amazon, Google, Meta e Disney — tem gerado um burburinho global.
Mas o que está por trás dessa mudança? E, mais importante, como isso pode impactar o Brasil?
Diversidade vai além de preencher cotas. Trata-se de reunir pessoas com diferentes histórias, culturas e perspectivas para criar algo maior do que a soma de suas partes.
Equidade não é dar o mesmo para todos, mas oferecer o que cada um precisa para prosperar.
Inclusão é garantir que ninguém fique de fora — nem das decisões, nem das oportunidades.
O conceito pode até parecer simples, mas sua aplicação nas organizações foi construída ao longo de décadas.
Inspiradas pelos movimentos dos direitos civis dos anos de 1960 e 1970, elas começaram a adotar políticas de diversidade e, com o tempo, evoluíram para práticas mais sofisticadas de equidade e inclusão. Hoje, essas iniciativas são reconhecidas como impulsionadoras de inovação e desempenho.
Os debates sobre diversidade, equidade e inclusão (DEI), ambiental, social e governança (ESG) além da sustentabilidade se entrelaçam neste momento. Em um cenário global marcado por tensões geopolíticas e incertezas econômicas, o compromisso das organizações com essas pautas tem sido alvo de questionamentos e reavaliações estratégicas.
Na Reunião Anual do Fórum Econômico Mundial de 2025, realizada em Davos, a pauta da sustentabilidade e do ESG enfrentou desafios significativos. A diversidade e a inclusão também estiveram no centro das discussões.
Com mudanças políticas levando à redução de programas de DEI, o movimento corporativo global está sendo desafiado a redefinir seu posicionamento. Embora críticos argumentem que tais movimentos criam divisões, executivos em Davos defenderam a diversidade como um diferencial competitivo essencial.
CEOs de empresas como Uber e Ralph Lauren reforçaram que uma força de trabalho diversa impulsiona inovação e resultados de longo prazo.
Essas mudanças refletem uma reconfiguração mais ampla das prioridades das organizações e governos em nível global. Nos EUA, a Casa Branca tem adotado uma postura mais crítica em relação a regulamentações ESG e iniciativas de diversidade. Programas federais voltados para a inclusão vêm sendo reduzidos.
Na Europa, o debate segue forte, mas enfrenta resistência de setores mais conservadores. Já na China, a abordagem ao tema segue pragmática, focada no desenvolvimento econômico e na competitividade tecnológica, com menor ênfase nos valores ocidentais de diversidade e inclusão.
Diante desse cenário, a pergunta que se impõe é: como as organizações ao redor do mundo, incluindo as brasileiras, irão reagir? Seguirão a tendência de reavaliação das políticas de DEI e ESG ou consolidarão esses pilares como parte de sua identidade e estratégia de longo prazo?
E aqui no Brasil, como estamos?
Dados relevantes
No Brasil, o cenário de DEI está em construção. Avançamos, mas desafios permanecem.
Segundo a pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sociais (Dieese, 2024), há 4,4 milhões de mulheres desocupadas no país, das quais 2,9 milhões são negras. E 41,9% das mulheres negras estão na informalidade.
Ao se analisarem os salários médios das brasileiras, observa-se que as não negras com ensino superior ganham em média R$ 5.303 mensais, enquanto as negras com ensino superior ganham R$ 3.271 por mês. A disparidade se torna ainda mais evidente quando se verifica a remuneração média mensal dos homens: os não negros ganham R$ 8.173, enquanto os negros recebem R$ 5.755.
De acordo com a edição 2023 /2024 do Perfil do Instituto Ethos, dentre as organizações que indicaram ter políticas ou ações de promoção de oportunidades (desde a contratação), apenas 36,8% estabelecem metas para reduzir a desigualdade salarial entre homens e mulheres, indicando que, na maioria, esse tema ainda não foi completamente incorporado como prática de gestão da diversidade e inclusão.
Além disso, 58,9% indicaram não estabelecer nenhuma meta de equiparação salarial que considere esse olhar sobre as disparidades salariais envolvendo determinados grupos de diversidade.
Sobre a distribuição por gênero, raça e pessoas com deficiência nesse Perfil das organizações participantes:
Pode-se observar, no quadro acima, que as mulheres ainda são minoria em funções de liderança e, até mesmo, no quadro funcional das empresas. É como se a pirâmide se invertesse à medida que aumenta a hierarquia. Elas estão em maior número na base, nos programas de porta de entrada: aprendiz, estágio e treinee. Porém, do quadro funcional em diante, a presença feminina começa a diminuir.
Já em relação à população LGBTQIAPN+, as organizações, em sua maioria, sequer chegam a mensurar:
Em 2023, o mais recente estudo conduzido pela startup Blend Edu, intitulado “Panorama das Estratégias de Diversidade no Brasil 2023 e tendências para 2024” (Blend, Edu, 2023), revelou que 72% dos respondentes declararam ter uma área específica de DEI, enquanto o índice era de 71% e 64%, respectivamente nas edições de 2022 e 2020.
Outro dado importante coletado é o fato de 83% das corporações destinarem recursos específicos para ações de DEI, um avanço de 16 pontos percentuais em relação à edição de 2020. Entre as PMEs com até 99 funcionários, houve um avanço expressivo: 85% delas informaram ter orçamento dedicado à temática, um salto de 18 pontos percentuais comparado à edição passada, quando 67% apontaram o mesmo cenário.
Esses dados mostram que as políticas de DEI ainda são necessárias e que qualquer recuo pode gerar impacto.
No Brasil, as organizações enfrentam um cenário de transformação. Enquanto consumidores e investidores seguem valorizando práticas de diversidade e inclusão, as dinâmicas globais e as decisões de grandes multinacionais podem influenciar os rumos dessas iniciativas.
Diante desse contexto, a questão central é: como as organizações irão posicionar suas estratégias? Seguirão as tendências internacionais ou reforçarão a diversidade como um pilar estratégico e diferencial competitivo?
A diretora de Pesquisa e Desenvolvimento e de RH do Grupo Rhopen, Kátia Vasconcelos, apresentou um panorama das políticas de DEI no Brasil e possíveis caminhos para elas.
Assista a entrevista abaixo!
Kátia Vasconcelos aponta papel de protagonista do RH na aplicação da DEI nas empresas
Mais do que nunca, é hora de discutir DEI com coragem e criatividade. As organizações precisam reconhecer que a diversidade não é um custo, mas um investimento em inovação e crescimento sustentável. E que a inclusão é uma estratégia inteligente para permanência de pessoas na organização.
Podemos assumir um papel de protagonismo, transformando desafios em oportunidades e liderando o caminho para um futuro mais justo e inclusivo.
Próxima ao Dia Internacional da Mulher, essa pauta ganha ainda mais relevância. Não basta celebrar; é preciso agir.
O que a sua organização está fazendo para garantir resultados sustentáveis que equilibram avanços econômicos e sociais?
Autoras:
Ana Patrícia Neiva, analista de P&D do Grupo Rhopen
Kátia Vasconcelos, diretora de P&D e RH do Grupo Rhopen